sexta-feira, 21 de março de 2014

Como funcionam os medicamentos para o diabetes?

 Redação Diabeticool

Quer saber tudo sobre os mecanismos de ação dos principais medicamentos antidiabéticos? Então acompanhe este guia completíssimo compilado por Ronaldo Wieselberg!
tratamentos para o diabetes
POR RONALDO WIESELBERG
Com a aprovação da alogliptina (Nesina) para o mercado brasileiro, pela Anvisa, uma velha questão volta a despertar o interesse de quem tem diabetes: como funcionam os remédios que usamos para controlar o diabetes? Será que eles são seguros mesmo?
Este artigo, então, vai explicar a você, caro leitor ou cara leitora, um pouquinho sobre eles.
Atualmente, podemos dividir os medicamentos, de maneira geral, em dois grandes grupos: o grupo das insulinas e o grupo das medicações orais. Os medicamentos orais são usados, quase em sua totalidade, por pessoas com diabetes tipo 2 – em alguns casos raros e específicos, sendo usados por quem tem diabetes tipo 1, como veremos adiante -, enquanto as insulinas são usadas por pessoas tanto com diabetes tipo 1 quanto diabetes tipo 2, e são a terapia indicada para as mulheres que têm diabetes gestacional.
 INSULINAS
insulinas para diabetes
As insulinas são aquelas substâncias injetáveis que diminuem a glicemia. As insulinas que usamos hoje são feitas usando alta tecnologia e engenharia genética, para que seja a mais parecida possível com a insulina humana – e, em alguns casos, têm alterações estruturais da molécula para que tenham uma ação um pouco diferente.
Antigamente, quando a insulina foi descoberta, a insulina disponível era de boi ou de porco, o que causava reações alérgicas e resistência à ação da insulina. Você pode ver mais sobre a história da insulina clicando aqui e aqui!
Elas funcionam de uma maneira muito interessante. Sendo uma “cópia” quase perfeita da insulina endógena, o hormônio natural fabricado pelo pâncreas, ela vai atuar da mesma forma, basicamente sendo a “chave” para abrir a porta das células para que a glicose entre na célula.
A grosso modo, a insulina está na circulação sanguínea e se liga a um receptor nas células do corpo. Quando acontece essa ligação, uma molécula especial, que os cientistas chamaram de “transportador GLUT”, migra para a superfície da célula, e aí, a glicose entra por meio desse transportador.
O mais importante a se dizer sobre as insulinas é que elas não são as responsáveis pelas complicações e, se usadas da maneira certa, não têm efeitos colaterais.
Atualmente, temos cinco tipos de insulina disponíveis no mercado, e quatro deles no Brasil:
 1. INSULINA NPH
insulina nph sus diabetes
Este é um exemplo da insulina NPH disponibilizada pelo SUS.
A insulina NPH é a insulina sintética à qual foi adicionada uma outra proteína e zinco para aumentar a duração durante o armazenamento e também aumentar o efeito dela no corpo. A sigla “NPH” significa “Neutral Protamide Hagedorn“, indicando essas adições. A insulina NPH tem início de sua ação em cerca de uma hora a uma hora e meia depois da aplicação, o pico de ação (ou seja , quando a ação dela é mais efetiva) em cerca de quatro horas, e tem duração máxima de cerca de 12 a 14 horas.
A insulina NPH é disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, e é uma das insulinas usadas como o tratamento inicial do diabetes insulinizado – seja tipo 1 ou tipo 2.
 2. INSULINA REGULAR
A insulina Regular é a insulina sintética que é a “cópia” da insulina endógena, por assim dizer. Ela é que tem a ação mais parecida com a insulina fabricada pelo nosso corpo dentre todos os tipos de insulinas sintéticas. Tem início de sua ação em cerca de 30 minutos após a aplicação, pico de ação em cerca de duas horas, e duração máxima de três a quatro horas.
A insulina regular também é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde, e, juntamente com a NPH, é o tratamento inicial para quem tem diabetes e precisa de insulina. É possível, inclusive, realizar a contagem de carboidratos com a insulina regular, combinada à NPH.
 3. INSULINAS ULTRALENTAS
As insulinas ultralentas são análogos de insulina – ou seja, substâncias que cumprem a mesma função da insulina – com modificações estruturais nas moléculas para que tenham uma duração aumentada. Por esse motivo, as insulinas glargina (Lantus) e detemir (Levemir) têm duração de mais de 18 horas, chegando a até 24 horas de duração. O início da ação acontece de três a quatro horas depois da aplicação e, curiosamente, por conta dessas modificações moleculares, elas praticamente não têm pico de ação – a ação delas é praticamente constante.
De acordo com o metabolismo de cada pessoa, a duração pode ser menor, o que faz com que algumas pessoas precisem aplicar a insulina ultralenta duas vezes ao dia. Muitas pessoas fazem uso de insulina NPH duas vezes por dia pelo mesmo motivo: a insulina é degradada – “destruída”, por assim dizer – no fígado, e aí, precisamos aplicá-la novamente.
As insulinas ultralentas são usadas juntamente com as insulinas regulares e ultrarrápidas para as terapias com contagem de carboidratos.
 4. INSULINAS ULTRARÁPIDAS
Estas são as insulinas mais rápidas disponíveis no mercado. Também são análogos de insulina, porém, a molécula foi alterada de maneira a reduzir o tempo de ação, tornando a insulina mais efetiva a curto prazo. Por esse motivo, as insulinas lispro (Humalog), asparte (NovoRapid) e glulisina (Apidra) têm início de ação em 15 minutos após a aplicação, pico de ação em cerca de uma hora a uma hora e meia, e duração máxima de duas a três horas.
Pela ação extremamente rápida, elas são usadas para “queimar” os carboidratos ingeridos nas refeições, a glicose excessiva no sangue – principalmente em conjunto com as insulinas ultralentas e NPH para a terapia de contagem de carboidratos – e, inclusive, tratar a cetoacidose diabética, uma emergência clínica decorrente do diabetes descontrolado. Além disso, é o tipo de insulina usada nas bombas de insulina, aparelhos que administram microdoses de insulina continuamente.
grafico picos acao insulina diabetes
Gráfico ilustrando a ação dos tipos de insulina ao longo do tempo.
 5. INSULINA DEGLUDEC
A insulina degludec (Tresiba) foi um lançamento da Novo Nordisk no último Congresso Mundial de Diabetes, no fim de 2013. Também é um análogo de insulina, cuja estrutura foi modificada para aumentar o tempo de duração e ainda teve zinco adicionado. Ela tem um funcionamento muito parecido com as insulinas ultralentas, porém, a grande diferença é o seu tempo de duração máxima, que pode chegar a quarenta horas, sem pico de ação.
A ideia é que isso flexibilizaria os horários para a aplicação de insulina durante a terapia de contagem de carboidratos, em combinação com as insulinas ultrarrápidas ou regulares. Ainda não está disponível no mercado brasileiro.
 MEDICAÇÕES ORAIS
As medicações orais são usadas em sua maioria por quem tem diabetes tipo 2 ou tipo MODY, que é um tipo raro de diabetes associado a causas genéticas. Em alguns casos de diabetes tipo 1 com resistência à insulina, também são associados alguns medicamentos orais, porém, os casos são bem raros, uma vez que o aumento da dose de insulina já resolveria o problema da resistência – assim, em vez de uma aplicação e um comprimido, a pessoa só tem a aplicação.
Os medicamentos orais podem ser divididos nas seguintes classes: biguanidas, sulfonilureias, inibidores da dipeptil-peptidase-4 , análogos das incretinas e tiazolidinedionas.
 1. BIGUANIDAS
As biguanidas são os medicamentos orais mais utilizados para o controle do diabetes. O maior representante dessa classe é a metformina, que foi descoberta no século XX e hoje tem seu mecanismo de ação bem conhecido.
A metformina auxilia no controle da glicemia ao diminuir a produção de glicose no fígado – um órgão que aumenta a glicemia sob a ação de diversos hormônios do corpo -, aumentar a sensibilidade das células à ação da insulina – e aqui é que ele pode ser usado em alguns casos específicos de diabetes tipo 1, que são a exceção dentre as exceções -, fazendo com que a insulina aja de maneira mais eficaz, e diminuindo a absorção de glicose no trato gastrointestinal – e esse é o motivo principal de ser tomado no horário das refeições.
Essa diminuição da absorção da glicose no trato digestório é o que pode causar um dos principais efeitos adversos da metformina, a diarreia. O excesso de glicose não absorvida nos intestinos faz com que aumente a quantidade de água nas fezes, que também não é absorvida, causando a diarreia – e, pela ação da flora intestinal nesse excesso de glicose, também surgem os gases, desconforto abdominal, e a imensa maioria dos efeitos adversos. Uma alimentação rica em fibras – ou seja, frutas e hortaliças – ajuda a diminuir os efeitos adversos.
Curiosamente, pelo mecanismo de ação da metformina, as chances de hipoglicemia são bem menores do que com qualquer outra medicação – tanto que ela é chamada de “euglicemiante”, e não de “hipoglicemiante” por algumas fontes de consulta.
A metformina é a primeira escolha de medicação para pacientes com diabetes tipo 2, e está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde.
 2. SULFONILUREIAS
As sulfonilureias são medicamentos que, a grosso modo, estimulam a produção de insulina por parte das células beta do pâncreas. Como as pessoas que têm diabetes tipo 1 não conseguem produzir insulina, o efeito desses medicamentos é praticamente zero.
O mecanismo de ação é, primariamente, o estimulo à secreção de insulina e, secundariamente, a sensibilização dos receptores de insulina das células e diminuição da produção de glicose por parte do fígado.
Normalmente, eles são usados como a segunda escolha de medicação para pacientes com diabetes tipo 2. O grande problema é o uso indiscriminado, ou pior, a automedicação com as sulfonilureias – já que o paciente com diabetes tipo 2 já tem uma pré-disposição ao esgotamento das células beta, ou seja, com o passar do tempo, quem tem diabetes tipo 2 acaba deixando de produzir insulina, e vai precisar das aplicações de insulina – porque eles acabam acelerando o esgotamento da produção de insulina, de acordo com alguns estudos recentes.
Os medicamentos mais utilizados dentro dessa classe são a glibenclamida, glimepirida, tolbutamida e clopropamida, e podem, inclusive, ser combinados com a metformina.
 3. INIBIDORES DA DIPEPTIL-PEPTIDASE-4 (DPP-4)
Os inibidores da dipeptil-peptidase-4 (DPP-4) são substâncias que lidam com um conceito muito comum no corpo humano. Em geral, os hormônios do corpo são autorregulados, ou seja, a mesma célula que os secreta percebe a concentração elevada deles no sangue e para de lançar a substância no sangue, ou são regulados por outros hormônios, ou seja, uma substância faz com que a célula que secreta uma outra substância pare de lançar essa outra substância na corrente sanguínea.
Parece confuso, mas é algo bem fácil.
No caso, para explicar o mecanismo de ação desse medicamento, precisamos explicar parte da função hormonal que ocorre durante a digestão.
Quando temos o alimento no intestino, alguns hormônios chamados incretinas são lançados na corrente sanguínea. Esses hormônios vão estimular a síntese e secreção de insulina por parte das células beta do pâncreas, além de inibir a secreção de glucagon por parte das células alfa do pâncreas – bem parecido com a função das sulfonilureias, percebeu?
As incretinas são reguladas por uma substância chamada dipeptil-peptidase-4 (DPP-4), que faz com que não haja estímulo ou inibição da insulina ou do glucagon, respectivamente – explicando de maneira simples, aperta o botão “liga-desliga” das incretinas.
Bem, e aqui, entram os inibidores da DPP-4. Por inibirem a ação dessa substância, eles favorecem a ação das incretinas, que por sua vez, aumentam a secreção da insulina. Dessa forma, essa classe de medicamentos estimula a secreção de insulina de maneira indireta.
Por funcionarem baseados na secreção de insulina, fica claro que esses medicamentos pertencem a uma classe que não pode ser usada por pessoas com diabetes tipo 1. Os inibidores da DPP-4 disponíveis no mercado são a alogliptina (Nesina), a sitagliptina (Januvia), saxagliptina (Onglyza) e linagliptina (Trayenta).

4. ANÁLOGOS DAS INCRETINAS – OU “AGONISTAS DO GLUCAGON-LIKE PEPTÍDEO-1″
Os nomes ficam cada vez mais estranhos, e precisamos ir cada vez mais fundo na fisiologia humana para entender esses medicamentos.
Como explicado anteriormente, as incretinas estimulam a síntese e secreção de insulina, além de diminuírem a secreção de glucagon. Uma das principais incretinas é chamada de Glucagon-like peptídeo-1, ou GLP-1. Essa incretina, além de cumprir a função de estimular a secreção da insulina, também atua diminuindo a velocidade do esvaziamento do estômago – causando uma maior sensação de saciedade, e por um tempo mais longo.
Assim sendo, essa classe de medicamentos atua ao “imitar” a ação do GLP-1. Alguns dos efeitos colaterais dos medicamentos são a náusea e vômitos, decorrentes do fato de o esvaziamento do estômago demorar mais.
Outro efeito que também pode acontecer é a perda de peso, uma vez que a pessoa sentirá menos fome pelo estômago ficar cheio por mais tempo. Isso faz com que pessoas que não precisem dos medicamentos para o controle do diabetes o utilizem para emagrecer. Essa é a chamada prescrição off-label, que é de inteira responsabilidade do médico que a fez.
Os agonistas da GLP-1 disponíveis no mercado brasileiro, atualmente, são a liraglutida (Victoza) e a exenatida (Byetta).
O Byetta é um exemplo de análogo de incretina encontrado no Brasil.
 5. TIAZOLIDINEDIONAS
Essa classe de medicamentos de nomes ainda mais esquisitos – e vai ficar pior! – atua ao aumentar a sensibilidade das células à ação da insulina. A ação é bem parecida com a da metformina, porém, sem os efeitos colaterais de diarreia, gases, etc.
O ponto negativo é que, em algumas pessoas, pode causar inchaços nos membros, dores de cabeça e ganho de peso. Hoje, temos disponível no mercado a pioglitazona e a rosiglitazona.
 6. OUTROS
Existem outros medicamentos orais para o controle do diabetes, como os amilinomiméticos, substâncias que imitam a ação do polipeptídeo pancreático, que diminui o esvaziamento do estômago, diminui a ação do glucagon e regula o apetite; inibidores da enzima alfa-glucosidade, que impedem a digestão total dos carboidratos – e portanto, a quantidade de glicose disponível nos intestinos para absorção é menor; os derivados das meglitinidas, que também aumentam a secreção de insulina; e os inibidores do SGLT-2, um transportador de glicose nos rins, que faz com que a glicemia abaixa ao desprezar glicose pela urina.
Estes medicamentos, porém, são praticamente inexistentes no mercado brasileiro, seja por não terem sido aprovados pela Anvisa ou por não serem comuns no Brasil. Porém, eles existem, e têm a função de controle glicêmico.
Muitos desses medicamentos surgiram de fontes naturais, e foram exaustivamente estudados até que soubéssemos como agiam e os efeitos colaterais que poderiam trazer. Por exemplo, a metformina foi descoberta na planta chamada lilás francês e o Byetta foi descoberto na saliva de um lagarto.
Assim, quando médico prescreve quaisquer dessas medicações, ele já leva em conta os efeitos colaterais e, principalmente, os efeitos benéficos para quem vai usar. Por esse motivo, usando os remédios conforme a prescrição médica e seguindo as orientações do educador físico e da nutricionista, o tratamento terá todas as chances de dar certo.
Até a próxima!

ronaldo wieselberg perfil diabeticoolRonaldo José Pineda Wieselberg tem diabetes há mais de 20 anos. É estudante de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (FCMSCSP), auxiliar de coordenação do Treinamento de Jovens Líderes em Diabetes da ADJ Diabetes Brasil e Jovem Líder em Diabetes pela Federação Internacional de Diabetes (IDF), com trabalhos sobre diabetes premiados e apresentados no Brasil e no exterior. Apesar de ter o mesmo nome de vários grandes jogadores de futebol, prefere o xadrez.
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