segunda-feira, 24 de março de 2014

As Ervas Medicinais Chinesas e a Prevenção do Diabetes



Antes de começar a comentar sobre as Ervas Medicinais Chinesas e o risco de Diabetes Mellitus tipo 2, vou contar uma pequena história. Por volta de 1780, um médico inglês chamado William Withering encontrou uma velha senhora que conseguia tratar seu grave problema de coração com um preparado de várias ervas locais. Após estudar o preparado, o médico descobriu que ele continha extrato de uma planta chamada Digitalis lanata e que este era o composto que exercia seus efeitos sobre o coração. O médico então convocou mais de 150 pacientes com problemas de coração (o chamado “coração grande” ou Insuficiência Cardíaca) e conseguiu uma melhora significativa dos sintomas dos pacientes com o uso do extrato da planta. Estava descoberta a Digoxina, um dos medicamentos mais importantes para o tratamento de diversos problemas cardíacos.
Com o uso cada vez maior da digoxina, descobriu-se que, quanto maior a dose, maiores os efeitos colaterais. Os efeitos adversos da medicação incluem perda do apetite, náuseas, vômitos, diarreia, tonteira, insônia, agitação, pesadelos, arritmias cardíacas (de casos leves a graves) e até mesmo alterações visuais (incluindo uma doença rara que deixa a visão amarelada). Em doses muito elevadas, pode ser fatal. Uma história curiosa é a do pintor Vicent Van Gogh. Um dos períodos mais importantes de sua pintura é a chamada “Fase Amarela”, que acredita-se ter sido atribuída ao uso da digoxina, já que a  flor que origina a digoxina aparece em vários de seus quadros e o pintor era usuário de preparados que a continham.
Passada esta pequena introdução, vamos ao que importa. Muitas plantas possuem substâncias em sua estrutura que exercem diversos efeitos no corpo humano. Estes efeitos podem trazer benefícios para diversas doenças. Mas, assim como a Digitalis lanata, estes efeitos podem estar associados também a vários efeitos colaterais, alguns deles extremamente graves.
Neste mês de fevereiro, tivemos a publicação de um artigo muito interessante sobre um composto de ervas da medicina tradicional chinesa. Na edição de fevereiro do Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, Fengmei Lian e colaboradores publicaram um estudo onde foi avaliado o efeito de um preparado de ervas chamada Tianqi em pacientes com a chamada Intolerância a Glicose (também conhecida como pré-diabetes). Os autores incluíram 420 pacientes com pré-diabetes e dividiram em dois grupos: 210 pacientes utilizaram o Tianqi e 210 pacientes receberam placebo. Após 01 ano de tratamento, os autores demonstraram que o Tianqi reduziu a progressão para o Diabetes em 32% dos participantes.
Mas o que é o Tianqi? O Tianqi (produzido por Heilongjiang Baoquan Pharmaceutical Co) não é um simples produto, mas um preparado com diferentes ervas chinesas: Astragali Radix, Coptidis Rhizoma, Trichosanthis Radix, Ligustri Lcidi Fructus, Dendrobii Caulis, Ginseng Radix, Lycii Cortex, Ecliptae Herba, Galla Chinensis e Corni Fructus. Neste composto, algumas substâncias parecem possuir efeitos sobre a glicose, incluindo a astraglina (constituinte da Astragali Radix), berberina (da Coptidis Rhizoma) e ginsenosideo Re (da Ginseng Radix). 
Quais lições podemos tirar do artigo sobre o Tianqi?
A primeira, e mais importante, é que parecem existir algumas substâncias no Tianqi que tem um efeito benéfico sobre a glicemia. Este achado é extremamente promissor. Embora tenhamos hoje inúmeros medicamentos para tratar o Diabetes, estes medicamentos são insuficientes para um grande número de pacientes e é sempre bom lermos artigos que indicam que novos medicamentos podem vir a ser descobertos. Mas isso é para o futuro. Embora tenha apresentado um resultado extremamente promissor, diversas perguntas precisam ser respondidas antes que esta simples erva possa ser indicada para a prevenção e tratamento do Diabetes:
                . Qual o mecanismo para a redução da glicemia das substâncias presentes no Tianqi?
                . Quais são seus resultados após 01 ano de tratamento? O que acontece quando a medicação é interrompida?
                . Quais são seus principais efeitos colaterais, principalmente em doses elevadas?
                . Qual a sua dose mínima e máxima (um importante detalhe é que nenhuma das doses de cada uma das ervas é relatada no estudo)?
                . Como esta substância é metabolizada? Pelo fígado? Pelos rins?
                . Qual a interação destas substâncias com outras medicações, principalmente anti-hipertensivos e outros antidiabéticos orais?
São muitas perguntas ainda sem resposta. E precisamos das respostas acima para que possamos realmente indicar uma nova medicação para o tratamento de qualquer doença, incluindo o diabetes.
Assim como o exemplo da Digitalis Ianata, vou deixar aqui outro exemplo. Em 2011, o Dr. Ralph DeFronzo publicou um estudo também investigando os efeitos de uma medicação (no caso, a pioglitazona) em pacientes com pré-diabetes. O autor tratou 602 pacientes por 2.5 anos (mais que o dobro do grupo chinês) e conseguiu uma redução na progressão para o DM de 72%. 72%!!!! Mesmo com estes resultados expressivos, a medicação ainda não foi aprovada para a prevenção de Diabetes, já que ela apresenta alguns efeitos colaterais que só foram identificados depois de milhares de pacientes tratados e muitos anos de uso. Resumindo, precisamos ter paciência. São necessários anos e anos de pesquisa para que possamos conhecer o suficiente sobre uma medicação para indicá-la para a prevenção ou tratamento de uma doença.
Não estamos, de nenhuma maneira, criticando o trabalho do grupo chinês. O trabalho é muito bem feito e publicado numa grande revista da endocrinologia. Mas ele não nos traz uma resposta. Ele nos abre uma série de perguntas. Talvez, daqui a alguns anos, estejamos festejando a chegada de um novo medicamento para a prevenção do diabetes e dando todo o crédito a este trabalho. Mas isso é para o futuro.
No momento, todas as sociedades mundiais, incluindo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), estão convictas de que só existe uma maneira efetiva de prevenir o diabetes: é com uma mudança radial no padrão alimentar e com a prática regular de atividade física. Em alguns casos selecionados, a metformina pode ser uma opção. As mudanças de estilo de vida permanecem como as mais importantes intervenções para a prevenção e o tratamento do diabetes.
Esperamos que, nos próximos anos, novas substâncias sejam identificadas com efeitos benéficos sobre a glicose. Essas substâncias podem estar presentes não apenas na Tradicional e Milenar Medicina Chinesa, mas em nossa própria cultura, nos preparados utilizados por populações indígenas e até mesmo do interior do Brasil. E esperamos que, ao serem identificadas, estas substâncias sejam adequadamente estudadas para que, só assim, elas possam ser liberadas para o tratamento e prevenção do diabetes.
Dr. Rodrigo O. Moreira
  • Doutorado em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
  • Médico Colaborador do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) do Rio de Janeiro

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