O diabetes é
frequentemente uma doença insidiosa que não se manifesta explosivamente mas
que, uma vez identificado, torna-se uma condição permanente que pode ser
controlada mas ainda não pode ser curada. O mau controle do diabetes,
decorrente de tratamentos inadequados e de adesão apenas parcial às
recomendações médicas é o fator responsável pelas complicações crônicas da
doença. Um artigo publicado em 2013, sob o título de “Diabetes, religião e
espiritualidade” traz uma abordagem inteligente sobre como a fé pode impactar
positivamente a evolução do diabetes, em sintonia com intervenções
educacionais, psicológicas e farmacológicas. Atualmente, com o aumento da
prevalência de doenças não comunicáveis, como o diabetes, o modelo biomédico da
doença precisa ser expandido para um modelo biopsicossocial, onde a
espiritualidade e a religião sejam partes integrantes do bem-estar das pessoas
afetadas e precisam ser incorporadas de acordo com as necessidades individuais
de cada paciente. Em condições médicas nas quais o autocontrole é um componente
crucial da abordagem terapêutica, é preciso compreender a importância da
aderência do paciente e esta, por sua vez, depende essencialmente de mecanismos
motivacionais que ajudem o paciente a enfrentar os desafios impostos por sua
condição de saúde prejudicada.[1]
Ao invés de um
debate inútil entre a comunidade científica e os agentes religiosos, os
esforços devem ser dirigidos à construção de estratégias conjuntas e
complementares nas quais cada lado deve respeitar o domínio do lado oposto,
desde que sejam respeitados os princípios científicos, éticos e morais que
devem reger tal associação. Dentro dessa perspectiva de uma ação colaborativa e
inteligente entre ciência, religião e espiritualidade, algumas posturas devem
ser corrigidas para que se consiga promover um impacto sadio, ético e
sustentável para esse louvável esforço conjunto dessas ações. Exemplificando:
principalmente nos últimos anos, vem se tornando uma lamentável realidade a
intromissão de setores religiosos nas recomendações médicas que regem a boa
conduta terapêutica absolutamente indispensável para se promover o bom controle
do diabetes. Em outras palavras, as orientações de religiosos e de outros
agentes leigos no sentido de que o tratamento farmacológico não seria
necessário uma vez que a intervenção divina seria capaz de promover a “cura”
milagrosa do diabetes constitui-se em atitude reprovável e com possíveis
implicações éticas e legais.
Um exemplo vivo dos
riscos de recomendações visando a suspensão do tratamento farmacológico de
pacientes com diabetes pode ser visto no filme “Promised a Miracle”, baseado
numa história real, que pode ser assim resumida: os pais de uma criança de onze
anos, portadora de diabetes tipo 1 e em tratamento insulínico permanente, acabam
se influenciando pela comunidade religiosa que frequentavam e acabaram por
suspender o tratamento insulínico da criança, uma vez que Deus se encarregaria
de curá-la. Evidentemente, a pobre criança acaba morrendo e os pais acabaram
condenados por homicídio culposo. Vale a pena assistir a este comovente filme
lançado em 1988 e que talvez você ainda encontre em sua locadora de vídeo.
Comentário final: a
intervenção religiosa bem orientada pode ser uma das estratégias mais bem
sucedidas para a promoção do bom controle do diabetes. Para o aumento da
eficácia das intervenções educacionais e motivacionais a ação integrada dessas
duas vertentes pode trazer uma contribuição inestimável para a população de
pessoas com diabetes num país como o Brasil, onde apenas 10% dos pacientes com
diabetes tipo 1 e 23% dos pacientes com diabetes tipo 2 apresentam controle
adequado da doença.
Referência
bibliográfica:
1.Sridhar GR.
Diabetes, religion and spirituality. Int J Diabetes Dev Ctries (January-March
2013);33(1):5-7.
Observação: esse
artigo poderá ser acessado gratuitamente através do DOI (Digital Object
Identifier): 10.1007/s13410-012-0097-8.
http://www.diabetes.org.br/ultimas/1253-o-impacto-da-fe-no-tratamento-do-diabetes
Informações do Autor
Dr. Augusto Pimazoni-Netto
Coordenador do Grupo de Educação e
Controle do
Diabetes do Hospital do Rim e
Hipertensão da Universidade Federal
de São Paulo – UNIFESP
E-mail: pimazoni@uol.com.br
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