domingo, 24 de janeiro de 2010

A Luta Pela Cidadania - Justiça garantiu a ela o acesso à insulina.


17/6/2008 - Portal Diabetes
Alana Rizzo - Estado de Minas
EULER JUNIOR/EM/D. A PRESS



Ao lado da mãe, Paloma, de 11 anos, mede taxa de glicose. Justiça garantiu a ela o acesso à insulina.

O aumento no número de ações judiciais cobrando medicamentos do poder público deixou o Supremo Tribunal Federal (STF) em alerta. O avanço da indústria de liminares obriga as secretarias estaduais de Saúde a desembolsarem R$ 300 milhões por ano e, na tentativa de estancar a sangria de gastos, elas abarrotam instâncias superiores da Justiça com recursos. Em Minas, a previsão é de que mais de R$ 77 milhões sejam destinados ao cumprimento de ordens judiciais só este ano. O valor é superior ao dobro que a União gastou no ano passado com medicamentos via judicial, que chegou a R$ 30 milhões.
Secretários reclamam que não há como fazer previsão orçamentária com tantos mandados judiciais e denunciam o uso do instrumento por lobistas da indústria farmacêutica e organizações criminosas, que estariam burlando licitações e forçando a aquisição de medicamentos pelo poder público. Em meio a polêmica, pacientes como Paloma Diniz Dutra, de 11 anos, reconquistam o direito de viver. Há 15 dias, ela conseguiu uma liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que garante o fornecimento de insulina glargina. Sem o medicamento, a menina, que tem diabetes, sentia tonturas e não tinha disposição nem para brincar e estudar.
Diariamente, são avaliados pela Justiça, em todo o país, processos como o de Paloma. Pacientes brasileiros que buscam um direito garantido pela Constituição Federal, que é o acesso integral à saúde. É sobre esse impasse de vida ou morte que o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, quer ampliar o debate. Durante palestra em um congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em maio, em Belo Horizonte, o ministro cobrou critérios para a liberação das liminares. Segundo ele, os juízes não conhecem a realidade da área da saúde. “Os erros judiciais nesses casos seriam muito menores se melhorássemos o sistema de saúde. São distorções que o sistema propicia”, completou.
Para o poder público, as falhas estão por todo lado. Decisões liberando medicamentos básicos, como neosaldina e ácido acetilsalicílico (AAS), tratamentos à beira-mar e em outros países são um dos exemplos citados. O número crescente de processos também teria um braço importante em organizações criminosas que estariam aproveitando o direito constitucional para forçar a compra de medicamentos pelos governos. O Ministério Público Estadual (MPE) investiga a ação de três escritórios de advocacia no estado e de diversos médicos, que estariam orientando pacientes a procurar a Justiça para a compra de medicamentos. O processo corre em segredo.
Há indícios de que esses mesmos advogados trabalhem para a indústria farmacêutica. O lobby das empresas de medicamentos é apontado pelos governos como o grande problema. Outra reclamação são os pedidos de medicamentos que estão disponíveis na rede pública ou que ainda estejam em fase experimental. “Recebemos muitos pedidos de remédios que ainda não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem evidências de que são mesmo a melhor alternativa terapêutica para o paciente”, diz a subsecretária de Estado de Saúde, Jomara Alves.
As ações judiciais provocaram, segundo a subsecretária, um verdadeiro caos, obrigando o estado a organizar uma força-tarefa, composta por médicos, advogados e procuradores. Desde que ela foi criada, no ano passado, algumas decisões começaram a ser revertidas. “Estamos mostrando ao Judiciário que temos algumas orientações e nossas políticas públicas não podem ser deixadas de lado. Meu orçamento é limitado e não cresce por conta dos processos”, diz.
Jomara diz que a responsabilidade com dinheiro público passa também por beneficiar um maior número de pessoas. “Como o assunto é muito novo, acaba sendo uma ‘escolha de Sofia’. É tratar um caso, deixando de atender vários outros”, diz, fazendo referência ao filme norte-americano em que a protagonista é obrigada a escolher um de seus filhos para entregar aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Como exemplo, ela cita 10 pacientes com mucopolissacaridose, que é uma doença grave de origem genética. O tratamento custa, em média, R$ 1 milhão por ano por pessoa.
Alto custo
Apesar de o tratamento de diabetes não ser tão caro, a família de Paloma gastava em média R$ 550 com os dois tipos de insulina que a menina precisa tomar, as tiras para medir a glicose e as seringas. O salário do pai, que trabalha na produção de carros em uma montadora, é que sustenta a casa. Cláudia costura e faz salgados para vender. “Não temos condições de pagar todos os remédios. Durante o tempo em que ela ficou sem a insulina, no ano passado, gastamos tudo que tínhamos guardado nesses anos todos”, diz a mãe. Para Cláudia, entrar na Justiça foi o último recurso. “Foi um ano de muita luta. Via minha filha passando mal, sem poder fazer nada. Agora, ela voltou a ser uma criança alegre”. Paloma também comemora o fim das tonturas: “Sentia-me muito fraca. Estou bem melhor”.
Também foi na Justiça que Deocleciano Lacerda Campos, de 92, conseguiu o remédio para câncer de próstata. A filha dele, Adir Alves, de 58, diz que o pai não tinha como pagar o remédio, que custa um salário mínimo - R$ 415, mesmo valor de sua aposentadoria. “Ele está muito melhor desde que começou a tomar o medicamento. Apesar da idade, é uma forma de garantir o prolongamento da vida dele e com qualidade”, resume.
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Comentário da advogada Adriana Daidone, membro do nosso Plantão Jurídico:
A Luta Pela Cidadania
Nos últimos tempos, frequentes têm sido as notícias veiculadas em relação ao excesso de ações judiciais voltadas ao pedido de fornecimento de medicamentos gratuitos, que estariam comprometendo financeiramente as verbas das Secretarias de Saúde.
No caso específico do diabetes, de fato, essas ações têm aumentado significativamente nos últimos cinco anos, resultado direto do maior acesso à informação pelos próprios pacientes, obtido perante os meios de comunicação em geral e, principalmente, por meio das entidades voltadas ao assunto.
Como reflexo, o melhor efeito da divulgação dos direitos de cada paciente foi a aprovação da Lei Federal 11.347/06 reconhecendo o acesso gratuito ao tratamento do diabetes. Em outras palavras, a busca pelos direitos individuais de cada paciente acabou por resultar num conjunto de melhoras significativas ao tratamento de toda uma coletividade portadora da doença.
Com a prática e a efetividade dessa lei, em vigor desde setembro de 2007, os pacientes devem ser atendidos de forma espontânea pelo governo, levando logicamente à diminuição no número de ações judiciais pela simples falta de necessidade da busca pela Justiça.
Hoje, em muitas cidades, basta o paciente se cadastrar no posto de saúde próximo de sua residência para receber insulina, tiras reagentes, lancetas e seringas. Porém, sempre haverão casos de necessidades excepcionais onde somente a Justiça, se o Poder Público assim não o fizer, poderá socorrer o cidadão. Afinal, o paciente apela à Justiça pelo direito de viver, quando esse não está sendo naturalmente reconhecido pelo Poder Público. E ao brigar por tal direito, o paciente não está buscando uma situação privilegiada com relação aos demais cidadãos, mas está tão-somente exigindo na prática o que está escrito na Constituição Federal: a manutenção da saúde dos cidadãos é uma das obrigações do governo.
Logicamente que até mesmo na luta pela cidadania o bom senso deve prevalecer, seja na relação direta entre o médico e o paciente, a partir da escolha do melhor e mais adequado tratamento, independentemente de seu custo; seja no trabalho do advogado, ao brigar somente pelo que é justo e essencial à saúde do seu cliente, sempre de acordo com a indicação médica; seja no entendimento dos julgadores, ao aplicarem corretamente o que está na lei, nada mais, nada menos do que isso.

Daidone & Tavares Advogadas Associadas
http://www.daidonetavares.adv.br/

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